História do Tijolo de Burro
Tijolos, tijoleiras, baldosas e telhas…
O uso da terra argilenta como material de construção, remonta, no sul da Península Ibérica, ao período do neolítico antigo, há mais de 7000 anos. A par da madeira e da pedra, é o mais antigo dos materiais de construcção utilizados pelo homem desde que se tornou sedentário e começou a construir as suas habitações permanentes. Era utilizada, numa primeira fase, no revestimento dos solos das cabanas, no assentamento de alvenarias de pedra e ainda em argamassas de revestimento exterior dos tabiques de varas de madeira engradadas, que acabavam por endurecer pela exposição solar. Também nestas épocas se começaram a utilizar os primeiros adobes – blocos de argila moldados à mão com formatos ovalados e postos a secar ao sol. Há ainda noticia de utilização da terra como material de construção em paredes maciças, uma forma primitiva de taipa, em especial nas muralhas defensivas dos povoados.
Quando o homem deixou a vida nómada e se tornou camponês e pastor sedentário, teve oportunidade de melhorar as técnicas de cozimento de utensílios cerâmicos. Mais tarde, aprendeu também a técnica do cozimento dos adobes, em fornos rudimentares, feitos em covas no chão. A zona de Reguengos é fértil em achados arqueológicos que comprovam estas antigas técnicas construtivas, em especial os trabalhos desenvolvidos pelo Professor Victor Gonçalves, responsável por muitos achados arqueológicos e autor de várias publicações, num trabalho científico de mais de 30 anos nesta região .
Mais tarde, na antiguidade clássica, os tijolos de argila cozidos eram já de uso corrente nas regiões da Suméria, no antigo Egipto e nas civilizações da Mesopotâmia, do Vale do Indo, e também na Grécia e na antiga China.
Mas, foram os romanos que vulgarizaram por todo a área do império, em particular no mediterrâneo, as várias técnicas construtivas usando blocos regulares, moldados, de argila, cozidos, o chamado tijolo romano, sobretudo em alvenarias, arcos e abóbadas. Também são bem conhecidas da arquitectura romana as tégulas e imbrices, que formavam as coberturas dos edifícios, e ainda algumas situações de uso em revestimentos de pavimentos. Este tipo de blocos cerâmicos foram uma inovação tecnológica importante pois permitiram erguer edifícios resistentes, com paredes autoportantes, com grande eficácia no conforto térmico e no controle de humidades. Desde logo, as legiões romanas invasoras utilizavam fornos móveis para fabricação de tijolos para as suas contrucções militares em fortes, pontes e quarteis militares.
Depois do final do império, com a ocupação islâmica, esta civilização trouxe este tipo de técnicas construtivas, quer em adobes quer em tijolos, mas sobretudo na taipa. Aliás, no Norte de africa, a taipa e a construção em tijolo e adobe ainda são muito utilizadas, dado que é um produto barato, sobretudo quando na modalidade da autoconstrução. Por outro lado, é uma prática ecológica e muito amiga do ambiente pois a matéria prima está no próprio local e não necessita por isso de ser importada nem transportada, com os inerentes ganhos económicos e ambientais em termos de consumos de combustível e poluição. Por outro lado, usa a mão de obra local, mantendo assim uma boa pratica económica, ajudando a fixar população.
Durante a idade média e o renascimento e até à época moderna, estas técnicas, desenvolvidas ao longo dos tempos, tornaram-se as práticas mais comuns de construção, permitindo a edificação de imóveis resistentes, com paredes autoportantes e grande eficácia no conforto térmico. O recurso ao uso de técnicas como os arcos estruturais e abóbadas, permitiam construir grandes panos de parede, vencer vãos amplos e executar coberturas não planas. Em conjunto com a pedra permitiram mesmo a construção de edifícios em altura.
Até à introdução do betão na construção, na primeira metade do sec XX, o uso de tijolo maciço na construção era a técnica mais usada na construção de edifícios de todo o tipo, desde residências, edifícios públicos, igrejas e outros monumentos, bem como obras de arte: pontes, pontões, muros de suporte, aquedutos, poços, tanques e noras. Em conjugação com a pedra e a madeira, este tipo de construção era a mais comum, e ainda se mantem em grande parte dos países do mundo sobretudo em zonas em que as vias de comunicação são mais difíceis.
Com a generalização do uso do betão, e sem necessidade de usar estes elementos com capacidade estrutural, foram introduzidos na construção os tijolos aligeirados, vulgarmente chamados tijolos furados, não resistentes. Assim, o uso do tijolo de burro foi perdendo a sua importância, passando sobretudo a ser usado como elemento decorativo em revestimentos e acabamentos. No entanto, estes elementos cerâmicos com milhares de anos de vida, acumulando um património vasto que alia a técnica e a tradição, ainda tem futuro, sobretudo em recuperação de edifícios, podendo ainda ser continuados a usar em paredes, arcos e abóbadas, mesmo conjugadas com as estruturas de betão, porque mantêm intactas as suas qualidades de durabilidade, eficácia térmica, beleza e simplicidade. Porque permitem soluções criativas e apelativas, estão lentamente a ser cada vez mais procuradas por públicos específicos que apreciam as particularidades e singularidades das suas características exclusivas.
Jorge Sanches da Cruz
Arquitecto e Mestre em Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico